Frequentemente, na clínica psicanalítica, observamos, ao longo do tratamento, que os pacientes passam a se interessar, de forma espontânea, por fruir e realizar atividades artísticas. Entre elas, chama a atenção o interesse pela fotografia, visto ser a escolha de muitos.
O interesse pela fotografia indica a descoberta de uma nova forma de olhar para si e para o mundo. Em nosso cotidiano, tudo que vemos repetidamente deixa de ser percebido em detalhes, cessa de ser observado com atenção: nossa casa, nossa família, o trajeto para o trabalho, as pessoas com quem nos relacionamos, a cidade onde moramos, etc.
Por sua vez, o que acontece com aquele que fotografa? Olhando através da lente da máquina fotográfica, o sujeito, de repente, depara-se com um mundo novo que, no entanto, estava sempre ali. Tudo aquilo que antes não se notava agora passa a chamar a atenção: detalhes, ângulos, iluminação, cores e enquadramento das cenas.
Conforme mencionei em outro texto, a psicanálise trouxe a lume o fato de que vemos o mundo e a nós mesmos por meio da lente de fantasias. Essas fantasias têm a propriedade de ser fixas, ou seja, não mudam com facilidade, o que resulta em formas inadequadas de lidar com a vida que se repetem indefinidamente, mesmo gerando sofrimento.
Durante um processo de análise, no entanto, o simples ato de fotografar pode estar relacionado a certo insight sobre nossas fantasias. Atrás da lente da máquina fotográfica, tomamos uma pequena distância do mundo, distância suficiente para perceber aquilo que antes era ignorado.
Assim como o fotógrafo, também o analisante aprende a tomar certa distância de suas fantasias para percebê-las como lentes que distorcem, colorem ou descolorem a sua realidade. Esse distanciamento é sutil, mas suficiente para provocar importantes mudanças de posição subjetiva, visto que as antigas e fixas fantasias passam a influenciar muito menos em suas percepções.
Em suma, o interesse pela fotografia, ao longo do processo de análise, costuma indicar que o sujeito está em processo de descobrir que o seu olhar sobre si mesmo e o mundo é passível de mudanças.
Tal como o fotográfo troca as lentes de sua câmera em busca de um melhor enquadramento para a cena desejada, também as fantasias fixadas por toda uma vida podem ser deslocadas. Para o analisante, essa descoberta é uma grande conquista que abre espaço para mudanças importantes na sua forma de posicionamento perante a vida.
Inicia-se uma análise, em geral, queixando-se do sofrimento gerado pelos outros, pelo mundo lá fora. No entanto, o “olhar fotográfico”, por assim dizer, mostra que o sofrimento é gerado, antes, pela nossa própria interpretação acerca da realidade. A partir disso, fica muito mais fácil agir e obter sucesso na busca daquilo que se deseja.
Por Marlos Terêncio
Adorei seu texto “Olhar fotográfico”! Muito interessante esta relação entre o processo psicanalítico e a fotografia. Me identifiquei inteiramente com o assunto , uma vez que comecei minha atividade na fotografia durante o processo psicanalítico. Após ler seu texto eu me dei conta que o “meu cenário” não mudou… mas eu precisei mudar o “angulo”, a “lente” e manter um certo distanciamento para senti-lo na devida medida. Percebi que o “zoom” ,sobre alguns aspectos, pode distorcer a imagem e superdimensionar situações que na realidade não tem tanta relevância. Obrigada pela leitura tão interessante! Parabéns pelo texto. Eliana
Prezada Eliana, obrigado por seu contato e suas observações sobre o texto. Achei muito pertinente a sua observação sobre o “zoom” em determinados aspectos da vida. Talvez a psicanálise, nessa analogia, esteja mais próxima de uma lente “grande angular”, ou seja, que ajuda a colocar um cenário mais amplo no seu enquadramento.