Conheci o cinema de Terrence Malick há muitos anos, bem antes de ter contato com outros gênios do cinema “contemplativo”, por assim dizer. Na época, seu “Além da linha vermelha” (The thin red line,1998) deixou-me muito impressionado, por ser um drama de guerra que não apenas demonstra a real ausência de vencedores em um conflito armado, mas também incita a reflexão sobre questões perenes, poéticas e filosóficas. Temas como o sentido da existência, a confiança no amor e a crença ou não em uma divindade habitam os pensamentos dos soldados antes, durante e após as batalhas.
Assim, fica claro que o conflito armado é apenas o pano de fundo e a ilustração metafórica da batalha que realmente interessa ao diretor – nosso conflito interior, aquele que cada um trava diuturnamente dentro de si. Diga-se a propósito, a percepção do conflito entre diferentes forças psíquicas é a própria base da constituição da psicanálise.
Nesse filme, a assinatura de Malick, seu olhar contemplativo/meditativo sobre o mundo, que enfatiza longas cenas da natureza associadas à narração dos pensamentos dos personagens em “voice-over” – é ilustrada pelo protagonista Witt, que consegue ver beleza em todas as coisas, mesmo em meio à extrema adversidade.
Essa estética de Malick já fica clara em seus brilhantes primeiros filmes, “Terra de ninguém” (Badlands, 1973) e “Cinzas no Paraíso” (Days of heaven, 1978). Há sempre o vaguear da câmera tal qual um olhar sereno de testemunho sobre o mundo, sem julgamentos, inocente como o de uma criança. Que nos transporta a uma certa fruição estética da vida, lembrando inclusive uma característica essencial da experiência mística, daquilo que Romain Rolland chamou de “sentimento ocêanico” (em cartas a Freud) e que Rudolph Otto conceituou como a experiência do “numinoso”.
Acredito que Malick é um dos grandes poetas do cinema, fazendo da sétima arte um recurso para investigar o mundo interior e para conduzir o nosso olhar a um assombro renovado diante da beleza da existência, mesmo com todas as suas contradições.
Por Marlos Terêncio
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