Pense no poema mais belo, tocante e sensível que você já leu ou ouviu. Agora imagine transformá-lo em imagens e sons, sem perder a sua essência. Não é uma tarefa simples… Pois é assim que o diretor russo Andrei Tarkovski ficou conhecido, como o poeta das imagens, aquele que faz poesia com o cinema. Com certeza podemos atribuir essa qualidade a todos os grandes cineastas, mas há um reconhecimento mundial de que ele foi um verdadeiro gênio nessa questão.
Ingmar Bergman, também muito célebre por sua obra de forte caráter reflexivo e existencial, teria se referido a Tarkovski como “o maior de todos, aquele que inventou uma nova linguagem, fiel à natureza do filme, pois captura a vida como um reflexo, a vida como um sonho.”
De fato, podemos dizer que seus filmes incitam a uma investigação única sobre o caráter onírico da própria vida humana, e não apenas de quando dormimos. Como dizia Lacan, estamos sempre sonhando, e acordamos, precisamente, para continuar sonhando – o que é confirmado pela experiência dos pesadelos (veja outro post).
Mais do que isso, seus filmes nos convidam a uma experiência contemplativa, estética da vida, algo que remete ao olhar imaculado de uma criança – seu assombro e maravilhamento perante a beleza do mundo –, e da mesma forma, à experiência mística, àquilo que Romain Rolland chamou de “sentimento oceânico” (em cartas a Freud) e que Rudolf Otto conceituou como o “numinoso”.
Para tanto, além dos longos planos-sequências que se movem lentamente, utiliza muito os elementos da natureza, entre outros recursos singulares que caracterizam suas obras. Retomando a questão do “sentimento oceânico”, há grande destaque para a água: chuva, mar, canais, corredeiras, riachos, piscinas, tanques, goteiras, poças, vapores – ela é, praticamente, também uma personagem.
Água sempre em movimento, audível, hipnótica, que surge nos exatos momentos mais autorreflexivos dos personagens, como que sugerindo e convidando o espectador ao mergulho nas profundezas de si mesmo. E, de fato, se assim permitirmos, junto com suas imagens “líquidas”, também podemos nos dissolver…
Tarkovski representa o auge do cinema como um meio para a exploração do mundo interior em seu aspecto mais sublime.
Por Marlos Terêncio
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