Quanta felicidade você suporta?

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“Noite estrelada sobre o Ródano”, Van Gogh, 1888.

Em outro texto, tratei das relações entre felicidade e desejo sob a ótica da psicanálise. Neste, pretendo refletir brevemente sobre o limite da felicidade suportável por cada um.

Parece óbvio assumir que todos queremos ser felizes, não? Todavia, as coisas não costumam ser assim tão simples. Observamos nas pessoas que ter uma vida satisfatória ou feliz não é exatamente fácil. Em geral, colocamos a culpa de nossa insatisfação em circunstâncias exteriores: “não sou feliz porque não tenho dinheiro suficiente”, ou “porque não tenho amor”, etc. Mas o que acontece quando se obtém aquilo que se quer?

Ser feliz não diz tanto respeito a obter aquilo que se quer. Diz mais respeito a suportar ser feliz. Tal afirmação é forte, pois ninguém acredita ter dificuldades em suportar ou tolerar a alegria, o bem-estar, a satisfação. Mas a experiência psicanalítica demonstra que isso acontece, infelizmente.

Cada qual tem, portanto, uma quantidade aceitável de satisfação, bem-estar ou felicidade em sua vida. E para a maioria das pessoas, a quantidade suportável é bem pouca. Isso significa que, sem saber, busca-se muito mais o sofrimento do que o bem-estar, sendo este último até mesmo rejeitado quando passa de um certo limite.

Para muitos, a satisfação é evitada por meio de inibições na obtenção de seus objetivos. Trata-se da famosa “auto sabotagem”, ou seja, o esforço inconsciente para obstruir a possibilidade de chegar onde mais se deseja. O sujeito pode até conseguir pequenas coisas, mas quando está prestes a obter algo muito importante, fracassa. E isso acontece repetidas vezes ao longo da sua vida.

Para outros, apesar de não haver inibições na capacidade de ação sobre o mundo, falha a capacidade de usufruir daquilo que efetivamente se consegue. Ou seja, pode-se ter sucesso profissional, amor, amizades, etc, mas pouco disso tudo será usufruído. O sujeito foca-se somente em ter mais e esquece de cultivar aquilo que conquistou, vivendo em constante luta e sofrimento. Em contrapartida, há aqueles que têm muito pouco em termos daquilo que todos costumam associar à felicidade (dinheiro, sucesso, amor, etc), porém o usufruto desse aparente “pouco” é tão intenso que a vida torna-se muito satisfatória e feliz.

Essas questões foram muito observadas por Freud. Ele verificou, primeiramente, a existência de um sentimento de culpa inconsciente na maioria das pessoas, que atua como a grande fonte desse “limite baixo de felicidade” em suas vidas. Ou seja, por razões diversas, e sem perceber, as pessoas não aceitam a satisfação, o bem-estar, o amor, etc, pois inconscientemente acreditam que merecem sofrer.

Ele verificou, ainda, que muitos de seus pacientes abandonavam a análise precisamente quando começavam a melhorar, ou ficavam enfurecidos contra o analista. A esse empuxo para permanecer em sofrimento ele denominou “pulsão de morte”, a qual existe em todos nós, em maior ou menor grau. A culpa excessiva é uma das faces da pulsão de morte, demonstrando o quanto temos dificuldade de mudar nossa maneira de ser, por mais que queiramos, conscientemente, melhorar.

Esse sentimento de culpa atua como fonte maior da “auto sabotagem” na realização de desejos, ou na impossibilidade de usufruir daquilo que se obtém. Na maioria dos casos, o sujeito nem mesmo percebe o sentimento de culpa, ou, quando percebe, não sabe efetivamente todas as razões que o motivam, pois têm a ver com sentimentos contraditórios que ficaram represados em sua memórias, geralmente desde a infância.

Em um processo analítico, a culpa é primeiramente percebida e, então, aos poucos, colocada em suspenso. O analista não julga com preceitos morais os conteúdos trazidos pelo paciente, de forma que se constitui uma relação de trabalho na qual é possível trazer à tona os conflitos que originaram esse sentimento.

Com a percepção incisiva dos conflitos subjacentes, a culpa gradualmente se desfaz, permitindo que o sujeito não só obtenha aquilo que quer na vida, mas, principalmente, que possa disso usufruir. Em outras palavras, podemos dizer há um aumento da quantidade de satisfação, bem-estar ou felicidade tolerável em sua vida.

E você, qual é o limite da sua felicidade?

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