Diferenças entre psicanálise e psicoterapias

O Escultor, de Stela Medeiros
O Escultor, de Stela Medeiros

Muitos daqueles que procuram um profissional “psi” costumam indagar sobre a diferença entre a psicanálise e as demais psicoterapias. Questão polêmica, pois suscita diversas respostas, mas também necessária, visto haver uma profusão enorme de formas de terapia na atualidade.  Muitos pensam que o diferencial da psicanálise está somente nas aparências, com destaque para o uso do divã. Outros acham que fazer psicanálise é, em comparação com as psicoterapias, um processo mais demorado, ou, ainda, que o psicanalista não fala durante as sessões. Trata-se, enfim, de uma série de mitos infundados.

Mas se essas ideias são mitos, então quais as diferenças entre psicanálise e demais trabalhos psicoterapêuticos? Uma maneira de abordar essa questão é dizer que a direção do tratamento, nos dois âmbitos, é oposta. Sigmund Freud certa vez abordou isso em uma comparação com o campo das artes. Segundo ele, a psicanálise é comparável a entalhar uma escultura, enquanto que demais terapias eram semelhantes à pintura. E por quê?

O pintor, para realizar sua obra, coloca e distribui tinta sobre a tela, por isso Leonardo da Vinci dizia que o pintor trabalha “pela via de colocar” (per via di porre, em italiano). O escultor, ao contrário, precisa retirar lascas da pedra ou do gesso para criar sua escultura. Seu ofício, assim, funciona pela via de retirar ou subtrair (per via di levare).

Essa analogia é útil para compreendermos as diferenças na direção dos tratamentos atuais. Quando procura um profissional, todo paciente busca a resolução de seus problemas, suas dificuldades, suas indagações. Na tentativa de responder a essas demandas, há tipos de psicoterapia que simplesmente depositam ou colocam uma sugestão por sobre as questões do paciente. Por exemplo, fornecem aconselhamentos ou explicações prontas e superficiais. A forma mais exemplar disso é a hipnose, na qual o terapeuta influencia diretamente o paciente com uma ordem ou sugestão, mas há muitos trabalhos psicoterapêuticos que dela derivam e seguem a mesma direção.

A deficiência desse tipo de abordagem é que, apesar de às vezes trazer alívio ao paciente, ela não resolve as razões ou causas subjacentes dos problemas em questão, os quais permanecem causando sofrimento de diversas maneiras.

Para facilitar a compreensão disso, podemos comparar as dificuldades de um paciente com uma ferida aberta. O paciente procura ajuda para curá-la, mas não sabe que a ferida surgiu porque dentro dela há um corpo estranho: por exemplo, um espinho. Aqueles que trabalham com a sugestão (a “via de colocar”) tratarão de colocar uma atadura (uma gaze ou um “band-aid”) por cima da ferida e “assoprar” para fazer a dor passar. Isso, porém, é uma maneira muito superficial de tratamento, uma vez que essa ferida existe porque há algo dentro dela fazendo mal ao paciente. Assim, como resultado, a ferida não cicatrizará ou, pior, poderá parecer cicatrizada, mas reaparecerá em outro lugar do corpo.

Por isso a abordagem psicanalítica é diferente e oposta. Por óbvio que o psicanalista não é mudo, ele fala – e pode falar muito, se necessário – mas suas intervenções não enfatizam a colocação de explicações e sugestões, e sim a retirada ou exposição (a “via de retirar”) daquilo que faz sofrer: o “corpo estranho” que a psicanálise localiza nos conteúdos psíquicos inconscientes. E esse é o único método a possibilitar, realmente, a cicatrização de feridas psíquicas.

Vale acrescentar que esse processo é feito com total respeito e valorização da singularidade de cada paciente, ou seja, dando ênfase às características que fazem de cada pessoa um sujeito único. Se examinarmos bem a questão, o verdadeiro problema das pessoas não é a falta de conselhos – isso todo mundo está pronto para dar – mas sim o excesso de conceitos, receitas e pensamentos que acabam por confundir o sujeito e fazê-lo perguntar-se: “nesse mar de ‘receitas prontas’ há algo que realmente sirva para mim?”. Pois uma coisa é certa: no mundo psíquico os remédios genéricos têm pouca ou nenhuma serventia.

Ao contrário do que se faz em muitas formas de terapia na atualidade, o psicanalista não deseja converter ninguém a sua forma pessoal de pensar, de agir ou de compreender o mundo. Seu único objetivo é possibilitar a criação de um espaço no qual, com o auxílio de sua escuta especializada, o paciente venha a perceber mais a respeito das motivações inconscientes que alimentam suas feridas psíquicas. E basta isso – sem recurso a “band-aids” ou outros artificialismos – para que o sujeito possa promover ativamente sua própria cura, assumindo novo posicionamento perante si mesmo, os outros e a vida como um todo.

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