“Limite” é o lendário filme mudo brasileiro de 1931, realizado pelo diretor Mário Peixoto quando tinha apenas 22 anos. Em razão da complexidade do tema tratado e sua sofisticação narrativa para a época, além da cinematografia inventiva de Edgar Brasil, é tido por muitos críticos como o melhor filme nacional já feito. É uma obra que não se encaixa em nenhuma categoria artística preexistente.
O filme inicia com uma imagem poderosa: o rosto de uma mulher e, por entre seu pescoço, as mãos acorrentadas de outra pessoa. Temos então três protagonistas em um barco à deriva, que aparentemente desistiram de lutar pela vida, cada qual tendo atingido o limite de sua existência por circunstâncias particulares, que são contadas em flashback. Imagens de intenso simbolismo ilustram a realidade psíquica desses personagens. A história evoca desamparo, desilusão e desesperança.
Coincidentemente, enquanto Limite era realizado, Freud publicava um de seus livros mais marcantes e atualmente mais conhecidos: O mal-estar na cultura (1930). Nele, o psicanalista reflete em profundidade sobre a busca pela felicidade confrontada com suas reais possibilidades de consecução. Freud enumera todos os métodos pensáveis para buscar a satisfação e dissolve, uma a uma, as ilusões de que qualquer deles atinja plenamente seu objetivo. Localiza as razões para tanto no conflito indissolúvel entre as tendências pulsionais do indivíduo e as exigências da civilização, e questiona se essa falta de satisfação seria inerente à própria condição humana.
Em certa perspectiva, Limite expressa reflexões semelhantes. Há um mal-estar que atravessa a vida desses personagens, um limite intransponível, que aponta para uma sensação de encarceramento, de falta de alternativas. É um tema difícil e muito corajoso para a época.
Mais uma vez, temos uma confluência entre a arte e a psicanálise, no sentido de promover uma reflexão sobre os limites que a existência humana sempre encontra. O fato de que a obra de Peixoto ainda nos toca, quase 100 anos depois, demonstra como a questão do mal-estar é perene, apenas encontrando diferentes formas de manifestação predominantes em cada época.
Por Marlos Terêncio
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